O SERVIÇO SOCIAL
NA
CONTEMPORANEIDADE:
DEMANDAS E
RESPOSTAS
Arnold Schöenberg
Segundo
José Filho (2002, p.56):
O Serviço Social atua na área das relações sociais, mas sua espe- cificidade deve ser buscada nos objetivos profissionais tendo estes
que serem adequadamente formulados guardando estreita relação
com objeto. Essa formulação dos objetivos
garante-nos, em parte, a especificidade de uma profissão. Em consequência, um corpo de conhecimentos teóricos,
método de investigação e intervenção e um sistema de valores e concepções
ideológicas conformariam a espe- cificidade e integridade de uma profissão. O Serviço Social é uma prática, um processo de atuação que se alimenta por uma teoria e
volta à prática para transformá-la, um contínuo ir e vir iniciado na prática
dos homens face aos desafios de sua realidade.
O assistente
social é um profissional que tem como objeto de trabalho a questão
social
com suas diversas
expressões, formulando e
implementando propostas para seu enfrentamento, por meio das políticas
sociais, públicas,
empresariais, de organizações da sociedade civil e movimentos
sociais. Para Netto (1992, p.71), “a questão
social, como matéria
de trabalho, não esgota as reflexões”. Sem sombra de dúvidas, ela serve para pensar os processos de trabalho nos quais os assistentes sociais, em uma perspectiva conservadora, eram “executores terminais de políticas sociais”, emanadas do Estado ou das instituições privadas que os emprega.
No processo de ruptura com o conservadorismo, o Serviço Social
passou a tratar o campo das políticas sociais, não mais no campo rela- cional demanda da população carente
e oferta do sistema capitalista,
mas acima de tudo como meio de acesso aos direitos sociais e à defesa
da democracia. Dessa forma, não se trata apenas de operacionalizar
as políticas sociais, embora importante, mas faz-se necessário co- nhecer as contradições da sociedade capitalista, da questão social
e suas expressões que desafiam cotidianamente os assistentes sociais, pensar as políticas sociais como respostas a
situações indignas de vida da população pobre e
com isso compreender a mediação que as
políticas sociais representam no processo de trabalho do profissional,
ao deparar-se com as demandas
da população.
A atuação
do assistente social realiza-se em organizações públicas e privadas e em diferentes áreas e temáticas, como: proteção social, educação, programas socioeducativos e de
comunidade, habitação, gestão de pessoas, segurança pública, justiça e
direitos humanos, gerenciamento participativo, direitos sociais, movimentos sociais,
comunicação, responsabilidade social, marketing social,
meio am- biente, assessoria e consultoria, que variam de acordo com o lugar que o profissional ocupa no mercado
de trabalho, exigindo
deste um co- nhecimento
teórico-metodológico, ético-político e técnico-operativo.
Esse prof issional busca a inclusão social e a participação das classes subalternas, por meio de formas alternativas e estratégicas
de
ação. Pois procura conhecer a realidade
em que atua e possuir compromisso ético com a classe trabalhadora e com a qualidade dos serviços prestados.
Para uma reflexão do
Serviço Social na atualidade, com suas de- mandas e perspectivas nesse momento histórico, é necessário situá-lo em sua trajetória histórica e revelar o legado
desse momento com seus rebatimentos no contexto do século da globalização. Tempos em que a economia
e o ideário neoliberal intensificam as desigual- dades sociais com suas múltiplas faces. Tempos em que crescem as
massas descartáveis, sobrantes e à
margem dos direitos e sistemas de proteção sociais. Tempos,
portanto em que crescem as demandas por políticas sociais, de um modo geral e, particularmente, por políticas de proteção social (Yazbek,
2000, p.95-8), entre as quais se destaca,
neste estudo, a Educação, como campo privilegiado e desafiador para o exercício profissional, é o que será discutido
a seguir.
Do legado da história aos desafios atuais
da profissão
O surgimento e desenvolvimento do Serviço Social
como profissão é resultado
das demandas da sociedade capitalista e suas estratégias e mecanismos de opressão social e
reprodução da ideologia dominan-
te. Como profissão que surge de uma demanda posta pelo capital, institucionaliza-se e legitima-se como um dos recursos mobilizados
pelo Estado e pelo empresariado, mas com um suporte de uma prática cristã ligada à Igreja Católica, na perspectiva do enfrentamento e da regulação da chamada questão social
que, a partir dos anos 30 (séc.
XX), adquire
expressão política pela intensidade das manifestações
na vida social cotidiana.
Conforme afirma Yazbek
(2000b, p.92):
Terá particular destaque
na estruturação do perfil da emergente profissão no país a Igreja Católica, responsável pelo ideário, pelos conteúdos
e pelo processo de formação dos primeiros
assistentes
sociais brasileiros. Cabe ainda assinalar, que nesse momento, a questão social é vista a partir de forte influência
do pensamento
social
da Igreja, que a trata como questão
moral, como um conjunto de
problemas sob a responsabilidade individual
dos sujeitos que os
vivenciam, embora situados
dentro de relações
capitalistas. Trata- se de um enfoque individualista, psicologizante e moralizador da questão,
que necessita para seu enfrentamento de uma pedagogia
psicossocial, que encontrará no Serviço Social efetivas possibilidades de
desenvolvimento.
O surgimento do Serviço Social está intrinsecamente relacionado
com as transformações sociais, econômicas e políticas do Brasil
nas décadas de 1930 e 1940,
com o projeto de recristianização da Igreja Católica e a ação de grupos, classes e instituições que integraram essas transformações. Essas décadas são marcadas por uma socie- dade capitalista industrial e urbana.
A industrialização processava- se
dentro de um modelo de modernização conservadora, pois era favorecida
pelo
Estado corporativista, centralizador e autoritário. Assim, a burguesia industrial aliada aos grandes proprietários rurais, buscava apoio principalmente no Estado para seus projetos
de classe e, para isso, necessitavam encontrar novas formas de enfrentamento da chamada “questão social”.
O Estado
Novo visando garantir o controle
social
e sua legitima-
ção, apoia-se na classe
operária por meio de uma política
de massa,
capaz ao mesmo tempo de “defender” e de reprimir
os movimentos reivindicatórios. Ele se constitui na “versão brasileira atenuada do modelo fascista europeu”,
ou seja, as diretrizes
assumidas pelo gover- no Vargas baseavam-se
nos modelos corporativos europeus (Yazbek,
1980, p.24). Esta ação vai desde uma legislação social protetora até uma estrutura
sindical, o Estado “lhe concede o direito potencial à reivindicação e lhe concede
a cidadania” (idem, p.25), mas em con- trapartida, subtrai-lhe a possibilidade de uma organização política autônoma e com isso cria um aparato institucional assistencial que irá atender muito mais ao elevado nível
econômico do mercado
do que às necessidades da população. A política Vargas tem duas posturas
contraditórias em relação
aos operários, a conciliação e a repressão, ou seja, o ditador
buscava obter “apoio” das classes trabalhadoras,
inicialmente, pela legislação da Previdência Social, depois pelo con- trole das estruturas sindicais, controle esse que assumiu diversas formas repressivas.
A implementação dessas ações governamentais ocorre no mo- mento em que a proposta
de institucionalização do Serviço Social começa a existir. Na América Latina,
bem como no Brasil, a Igreja ainda desenvolvia
quase que exclusivamente sua intervenção no campo de ação social por meio das chamadas obras de caridade e assistência, que envolviam em suas ações a burguesia
e especialmente o segmento
feminino.
A formação profissional dos primeiros
assistentes sociais bra- sileiros dá-se a partir da influência
europeia, por meio do modelo franco-belga que, tendo como base princípios messiânicos (tomis- tas) de salvar o corpo e a alma, e fundamentava-se no propósito
de “servir ao outro”.
Como afirma Silva (1995, p.40):
O modelo franco-belga, limitou-se, portanto, a uma formação
essencialmente pessoal e moral sendo, nesse período,
o Serviço So- cial assumido como uma
vocação, e a formação moral e doutrinária,
enquanto cerne da formação profissional, visou, sobretudo, formar o assistente social para enfrentar, com subjetividade, a realidade social.
A partir dos anos 40, abre-se um novo horizonte
no campo da pro- fissionalização da assistência, que, mesmo ainda estreitamente ligada a sua origem católica,
com as ideias e princípios da “caridade”, da “benevolência” e da
“filantropia”, próprios do universo neotomista,
tem sua atividade legitimada pelo Estado e pelo conjunto da socieda- de, por meio da implementação de grandes instituições
assistenciais. Nesse quadro, o Serviço Social
busca uma instrumentalização técni- ca, valorizando o método e desvinculando-se dos princípios neoto- mistas para se orientar
pelos pressupostos funcionalistas da sociologia
e assim poder responder
às novas exigências colocadas
pelo mercado.
A linguagem do “investimento”, da técnica, do planejamento passa a ser um referencial importante, constituindo-se com isso, uma das bases
para o processo de profissionalização do Serviço Social.
O processo de institucionalização e de legitimação do Serviço Social desvencilha
suas origens da Igreja, contudo não supera o ranço
conservador, quando o Estado passa a gerir prioritariamente
a política de assistência, efetivada direta ou indiretamente pelas instituições por ele criadas ou a ele associadas. A assistência deixa de ser um serviço
prestado exclusivamente pelas instituições privadas, tendo novos parceiros
como o Estado e o empresariado.
O desenvolvimento do capitalismo e a inserção
da classe operária no cenário
político da época cria o fundamento necessário à institu- cionalização da
profissão. A chamada “questão
social” manifesta-se por meio de vários
problemas sociais (fome,
desemprego, violência e outras) que exigem do Estado e do empresariado uma ação mais efetiva e organizada. A demanda do trabalho profissional (assistente
social), portanto, vem no bojo de uma demanda apresentada pelo setor
patronal e pelo Estado.
Também se diferencia no que diz respeito à população atendida,
quando antes uma pequena parcela da população tinha acesso aos
serviços das obras assistenciais privadas, agora um maior número do proletariado tem acesso às incipientes políticas sociais criadas pelo Estado. Essa mudança substancial altera também o vínculo profissional, pois o Estado e
o empresariado passam a ser os grandes
empregadores de Assistentes Sociais, dando um contorno diferen-
ciado ao exercício profissional.
Sob a égide do pensamento
da Igreja, a atuação profissional es- tava impregnada da ideia de “fazer
o bem”, de legitimar a doutrina social da Igreja. O Serviço Social
no Brasil, assim como na
Europa, frente à fragilidade teórica,
com uma formação mais moral e ética, e à complexidade da realidade social,
fez uso dos ensinamentos da Igreja para executar
sua prática, e esta usava o
Serviço Social para expandir sua doutrina, sua visão de homem e de mundo.
Com isso, o pensamento conservador e a influência da doutrina católica traçaram um perfil de
ação para os profissionais de Serviço
Social atrelados ao pensamento burguês, atribuindo-lhes
tarefas de amenizar conflitos,
recuperar o
equilíbrio e preservar
a ordem
vigente, com frágil consciência política, pois envolvida pelo “feti- che” da ajuda, não conseguia
ter claro as contradições do exercício
profissional (Martinelli, 2000, p.127).
Essas características do Serviço Social brasileiro, no período inicial
de sua existência, são marcantes, e dizem respeito
a uma profissão aceita não só pela Igreja, mas principalmente pelo Estado e pela burguesia. Seu componente técnico-operativo incorpora formas tradicionais de assistência social e
da própria ação social, tais como:
estudo das necessidades
individuais, triagem dos problemas, con- cessão de
ajuda material, aconselhamentos, inserção no mercado de trabalho, triagem, visitas domiciliares, encaminhamentos, aulas de tricô
e outros trabalhos manuais, atividades voltadas
à educação ou a orientações sobre moral, higiene,
orçamento, entre outros.
Nos anos 40, surgem os métodos importados dos Estados Uni- dos, Serviço Social de Caso e, ainda que este predomine,
também há espaço
para a abordagem grupal, com o Serviço Social
de Grupo, cujo enfoque de ambos é a
solução dos problemas pessoais, de re- lacionamento
e de socialização. Só nos anos 60, o Serviço Social
no Brasil amplia seu
campo de atuação para o chamado Serviço Social de Comunidade, legitimando com esta forma de intervenção o aten- dimento do projeto de influência norte-americano.
No período pós Segunda Guerra
Mundial, a profissão que antes era composta quase que exclusivamente por elementos da elite, passa a receber
agentes que procediam
da pequena burguesia, não mais movidos
apenas por motivações religiosas, mas incentivados e interessados pela qualificação profissional que poderia garantir acesso ao mercado de trabalho.
Em 1942, a era Vargas possibilitou estreitar relações com os Estados Unidos, em nome de interesses econômicos e
políticos cujo principal
objetivo era fortalecer o
capitalismo na América Latina e combater o comunismo. Esta relação estendeu-se para além das relações econômicas e envolveu um forte processo de ideologização norte-americana no País. A América do Norte passa a ser o novo
“protótipo” de ideias, a nova referência de ações,
especialmente na esfera
das políticas públicas.
O Serviço Social,
inserido neste contexto social, sofre forte re- batimento da ideologia
da época e passa a buscar no modelo de profissão norte-americano uma nova referência filosófica, o
suporte teórico e científico necessário para responder às demandas
postas ao exercício profissional. O ideário dominante requeria uma crescente intervenção técnica (organizada e planejada)
e fazia que o Serviço Social desencadeasse uma busca de recursos
técnicos para superar ações espontâneas e filantrópicas. As exigências de tecnificação do Serviço Social são atendidas,
mantendo-se a mesma razão instrumen- tal:
busca-se uma maior qualificação dos procedimentos interventi- vos, utilizando-se, inclusive, fundamentos advindos
da Psicologia, na expectativa de que os profissionais, assistentes sociais fossem
capazes de executar programas sociais com soluções consideradas modernizantes para o modelo desenvolvimentista adotado no Brasil.
Esse é um período importante para consolidação da profissão,
pois ela se estabelece de forma significativa no âmago das insti- tuições públicas e
privadas. As escolas
de formação profissional multiplicam-se, “ao final da II Guerra Mundial já se encontravam em funcionamento cerca
de duzentas escolas distribuídas pela Europa, pelos Estados Unidos e pela América Latina, onde se instalaram a partir
de 1925” (Martinelli, 2000, p.108). O Serviço Social com sua formação teórico-metodológica sustentava as ações “modernizado- ras”, pois respondia
de forma particular às necessidades e exigências
determinadas pelo capital. Os assistentes sociais começam a assumir, no mercado de trabalho, funções
de coordenação e de planejamento
de programas sociais.
A ação profissional tem por
objetivo, orientada pela matriz posi- tivista,
eliminar os “desajustes
sociais” por meio de uma intervenção moralizadora de caráter individualizado e psicologizante, revelando
uma ideia e imagem falsas de reforma social. O conservadorismo continua presente no universo
ideológico da prof issão e passa a
conceber uma política técnico-burocrática a partir desse período. E como expressa
Barroco (2003,
p.96), o Serviço Social traduz sua ação
profissional por meio, de uma ética vinculada à moral conservadora
e dogmática segundo a base ideológica neotomista:
os “problemas sociais” são concebidos como um conjunto de “dis- funções sociais”,
julgados moralmente segundo
uma concepção de “normalidade” dada pelos valores cristãos. A tendência
ao “ajus- tamento social”, a
psicologização da questão social, transforma
as demandas por direitos sociais
em “patologias”; com isso, o Serviço Social deixa de viabilizar o que eticamente é de sua responsabilidade: atender às
necessidades dos usuários, realizar objetivamente seus direitos. (idem, p.94)
A abordagem individualizada, com predominância de uma ação psicologizada, ainda era a mais utilizada pelo Serviço Social, carac-
terizada pela perspectiva de responsabilização do indivíduo com seu destino social, embora alguns segmentos profissionais estivessem
atuando em planejamentos e ações de maior amplitude.
Em meados de 1960, surge um momento
importante no desen- volvimento
do Serviço Social como profissão. É a primeira crise ideológica em algumas
escolas de Serviço Social, com o aparecimento, na América
Latina, da proposta
de transformação da sociedade, em substituição à desenvolvimentista adotada até o momento. Nessa década, o mundo passa por grandes transformações, especialmente
na América Latina, com a Revolução Cubana que, criticando as
estruturas capitalistas, mostra-se ao
continente como alternativa de desenvolvimento, libertando-se dos Estados Unidos. É grande o inconformismo popular com o modelo de desenvolvimento urbano industrial dominante.
Toda essa agitação
política é acompanhada pelas reflexões e pela inquietação
das
ciências sociais
que, por meio da introdução do mar- xismo, começam a questionar a dependência externa,
especialmente a norte-americana, por meio do enfoque dialético.
Essa crise não poderia deixar de atingir
as Universidades e, es- pecialmente, o Serviço Social que começa a questionar sua ação, conforme
apresenta Netto (2001, p.128):
Trata-se de um cenário,
em primeiro lugar, completamente distinto daquele em que se moveu a profissão até meados dos anos sessenta. Sem entrar na complexa causalidade que subjazia ao qua- dro anterior
da profissão, é inconteste que o Serviço
social no Bra- sil, até a primeira metade da década de sessenta, não apresentava polêmicas de relevo, mostrava uma relativa homogeneidade nas suas projeções interventivas, sugeria uma grande unidade nas suas propostas profissionais, sinalizava uma formal assepsia
de parti- cipação político-partidária, carecia de uma elaboração teórica sig- nificativa e plasmava-se numa categoria profissional onde parecia
imperar, sem disputas de vulto, uma consensual direção interventiva e cívica:
Assim o Serviço Social começa a perceber a dimensão política
de sua prática,
e o modelo vigente baseado na visão funcionalista do indi- víduo e com funções integradoras
não
é mais de interesse
da realidade
latino-americana que passava por transformações sociais,
políticas e econômicas. O modelo importado
de Serviço Social torna-se ino- perante e tem início um processo
de ruptura teórico-metodológico,
prático e ideológico. “A ruptura
com o Serviço Social tradicional se inscreve na dinâmica de rompimento das amarras imperialistas, de luta pela libertação nacional e de transformações da estrutura capita- lista excludente,
concentradora, exploradora” (Faleiros, 1987, p.51).
Nos anos posteriores, a profissão busca uma concepção
crítica e um vínculo
com a classe trabalhadora, embasado em uma percepção do exercício profissional para além da mera razão instrumental,
ou seja, a
busca de uma “transformação na intencionalidade dos profis- sionais que se identificavam como agentes de mudanças”
(Barroco,
2003,
p.108).
Na década de 1960, o modelo de desenvolvimento
entra em crise,
provocando uma agitação política e muitas mobilizações populares,
e, o Serviço Social é influenciado por este clima
político, quando dá início
a um processo de discussão
política no interior
da categoria.
É necessário,
portanto, buscar caminhos e que aconteçam, no interior da categoria, reflexões, como apresenta
Netto (2001, p.146):
indagando-se sobre o papel dos profissionais em face de manifes- tações da “questão
social”, interrogando-se sobre a adequação dos procedimentos profissionais consagrados às realidades regionais e nacionais, questionando-se sobre a eficácia das ações profissionais e sobre
a eficiência e legitimidade das suas representações, inquietan- do-se com o relacionamento da profissão com os novos atores que emergiam na cena política (fundamentalmente ligados às
classes subalternas) e tudo isso sob o peso
do colapso dos pactos políticos que vinham do pós-guerra, do surgimento de novos
protagonistas sociopolíticos, da revolução
cubana, do incipiente reformismo gênero Aliança para o Progresso, ao mover-se assim, os assistentes sociais latino-americanos, através de seus segmentos de vanguarda, estavam minando as bases tradicionais da sua profissão.
Assim, em plena vigência da Ditadura Militar, instaurada no País desde os anos de 1964, é que o Serviço Social vai passar por processo de renovação amplo
que mudará de forma
significativa sua base teórico-conceitual.
Confirma Faleiros (2005, p.26):
A mobilização social e
política da sociedade e a mobilização interna dos assistentes sociais põem em relevo a crise da profissão
em
meados dos anos 60: sua desqualificação no mundo científico- acadêmico, sua inadequação “metodológica” com a divisão em serviço social de caso, serviço social de
grupo e desenvolvimento de comunidade e a ausência de uma teorização articulada. Suas práticas mais significativas faziam-se longe
dos graves problemas
sociais, sem consonância com as necessidades concretas do povo. As ações de
transformação ficavam “à margem”.
O Movimento
de Reconceituação do Serviço Social, iniciado na década de 1960, representou uma tomada de consciência crítica
e política dos assistentes sociais em toda a América Latina, não obstante, no Brasil as condições políticas em que ele ocorreu trouxe elementos
muito diversos dos traçados em outros países. As restrições
da Ditadura
Militar, principalmente depois
do Ato Institucional nº
5 (Barros, 1997, p.42), trouxeram elementos importantes nos rumos tomados pelo Serviço Social em seu processo de renovação. Esses profissionais, mediante
o reconhecimento de intensas contradições
ocorridas no exercício profissional, que se
apoiava na corrente fi- losófica positivista, de Augusto Comte, questionavam seu papel na sociedade, buscando
levar a profissão a romper com a alienação ideológica a
que se submetera. Suas expectativas e desejos voltavam- se para a busca da identidade
profissional do Serviço Social e
sua legitimação no mundo capitalista. Para tanto, uma nova proposta teórico-ideológica deveria alicerçar o ensino
da profissão, originando uma prática não assistencialista, mas transformadora, comprometida com
as classes populares. Quando
o modelo filosófico elaborado por Karl Marx, passou a embasar
o referencial teórico-metodológico do Serviço Social, o chamado materialismo Histórico Dialético. É no marco desse movimento
que o Serviço Social, abertamente, apropria- se da tradição
marxista e o pensamento de raiz marxiana
deixou de ser estranho no universo profissional (Netto, 2001, p.148).
Nesse
modelo, o referencial teórico-científico é o Materialismo Histórico e o
referencial filosófico e a
Lógica Dialética (ou a dialética materialista), que tem por objetivo
estudar as relações que envolvem homem e sociedade,
ou seja, a prática concreta,
af irmando que, nesta interação,
há uma constante transformação, com crescimento quantitativo e qualitativo.
O Materialismo Histórico Dialético situa a sociedade
determina- da historicamente e em constante transformação, dividida em classes
sociais distintas: a burguesia, como detentora do capital e de todo o
lucro, e a classe trabalhadora ou o proletariado que dispõe da força
de
trabalho vendida
por
um ínfimo salário,
não garantindo condições
dignas de sobrevivência.
Assim, como afirma José Filho (2002, p.57), que o Serviço Social,
no decorrer
das últimas décadas,
evoluiu no processo
de pensar-se a si mesmo e à
sociedade, produzindo
novas concepções e autor- representações como “técnica social”,
“ação social modernizante”
e posteriormente “processo político transformador. Atualmente põe ênfase nas problematizações da cidadania, das políticas sociais em geral e, particularmente, na assistência social.
Netto (2001, p.151-64) apresenta três vertentes que se fizeram
presentes no processo de renovação do Serviço Social no Brasil e instauraram o
ecletismo ou o pluralismo profissional: a tendência modernizadora, a reatualização do conservadorismo e a intenção de ruptura.
A vertente
modernizadora teve hegemonia até os anos 70, inician- do-se no Seminário de Araxá em 1967 e se consolidando no Seminário
de Teresópolis em 1970. Buscou modernizar o Serviço Social a
partir da mesma razão instrumental vigente na profissão (neopositivismo), com isso, faz a revisão de métodos e técnicas para adequar-se
às novas exigências postas pelo contexto. O Serviço Social é
tido como elemento
dinamizador e integrador do processo de desenvolvimento.
A vertente
da reatualização do conservadorismo (ou fenome- nológica)
buscou desenvolver procedimentos diferenciados para a ação profissional,
a partir do que seus teóricos conceberam como referencial fenomenológico. Esta vertente recupera
o que há de mais conservador na herança profissional, com um enfoque psicologizante
das relações sociais e
distante do verdadeiro legado fenomenológico
de Husserl.
Segundo Barroco
(2003, p.138):
A fenomenologia se apresenta como um método de ajuda psi- cossocial fundado na valorização do diálogo e do relacionamento; com isso, reatualiza a forma mais tradicional de atuação
profissional: a perpectiva
psicologizante da origem da profissão. [...] e o marco referencial
teórico dessa metodologia é constituído por três
grandes conceitos: diálogo,
pessoa e transformação social.
A terceira vertente
do movimento de reconceituação nos anos 80 foi a
marxista, denominada de intenção de ruptura com o Serviço So-
cial tradicional (Netto, 2001, p.247). Por meio de um pequeno grupo
de vanguarda, essa perspectiva remeteu a profissão à
consciência de sua inserção
na sociedade de classes, gerou um inconformismo tanto em relação à
fundamentação teórica quanto à prática,
fazendo emer- gir momentos de debates e questionamentos que se estendem não exclusivamente ao que ocorre dentro da profissão, mas principalmen- te sobre as mudanças
políticas, econômicas,
culturais e sociais que a sociedade da época enfrentava, consequência do desenvolvimento do capitalismo mundial que impôs à América Latina seu modelo de dominação, da exploração e da exclusão.
Essa vertente de ruptura não ocorreu sem problemas, pois estes
relacionam-se à visão reducionista e equivocada
do marxismo pre- sente no
marxismo althusseriano (Louis Althusser), que recusou a via institucional e as
determinações sócio-históricas da profissão,
(Yazbek, 2000, p.25), porém
tais
problemas não serão aqui detalha- dos. Tal vertente adquire maior consistência, quando surgem os es- tudos que procuram aprofundar as formulações teóricas da profissão.
Fundamentadas nessa nova perspectiva, especialmente no que se refere à dimensão político-ideológica, explicitam o caráter contradi-
tório de sua prática e vinculam sua ação profissional
à transformação social.
Essas
tendências, que expressam
matrizes diferenciadas de fun- damentação
teórico-metodológicas da profissão, acompanharam a trajetória do pensamento e da ação profissional nos anos
seguintes. É nos anos 80 (séc. XX) que a teoria social de
Marx inicia sua efetiva
interlocução com a profissão.
Outras estratégias passam a compor a prática
profissional: educação popular,
assessoria a setores popu- lares, investigação e ação e principalmente a redefinição da prática da
Assistência Social.
É no bojo deste debate que o Serviço Social consegue, ao longo dos últimos
30 anos, ir definindo uma concepção mais crítica de sua própria inserção
no mundo do trabalho,
como especialização do trabalho
coletivo. E será esse referencial marxista que,
a partir dos anos 80 e avançando
nos anos 90, irá imprimir direção ao pensamento e à ação do
Serviço Social no Brasil. Permeará as ações
voltadas à formação de assistentes
sociais na sociedade brasileira (o currículo de 1982 e as atuais
diretrizes curriculares); os eventos aca- dêmicos e aqueles resultantes da experiência associativa dos profis- sionais, como suas convenções, congressos, encontros e seminários;
estará presente na regulamentação legal do exercício
profissional e em seu Código de Ética. (Yazbek, 2000, p.26)
Essa realidade ganha visibilidade possibilitando um novo proces- so de recriação da profissão, “em busca de sua ruptura com o histórico conservadorismo e do avanço da produção de conhecimento, nos quais a tradição
marxista aparece hegemonicamente como uma das referências básicas”
(idem, ibidem).
Obviamente que esse percurso
da profissão não aconteceu sem dif iculdades,
limites e desaf ios, pois inicialmente a apropriação equivocada do referencial teórico fez que o Serviço Social
negasse a dimensão instrumental da profissão e mesmo a atuação
no âmbito do Estado. Mais tarde, com o retorno às fontes do pensamento de Marx, a
perspectiva dialética pôde ir subsidiando
uma análise de realidade mais coerente,
possibilitando a apreensão das mediações necessárias para uma análise em uma perspectiva de totalidade. Com isso, o Serviço Social foi construindo seu projeto ético-político que possibilita uma nova perspectiva em sua dimensão
interventiva.
Na década de 1990, as consequências da lógica capitalista exclu- dente e destrutiva, desenhadas no modelo de globalização neoliberal, contribuem
para a precarização e a
subalternização do trabalho
à ordem do mercado,
para a desmontagem dos direitos
sociais, civis e econômicos, para a eliminação da estrutura e responsabilidade do Estado em face da “questão social,
para a privatização dos serviços públicos e empresas estatais e atingem diretamente a população trabalhadora, rebatendo nos profissionais de Serviço Social enquan-
to cidadãos trabalhadores assalariados e viabilizadores de direitos sociais.
A profissão,
como especialização do trabalho
coletivo, traz em si as contradições e as determinações do contexto social mais amplo possibilitando a superação do caráter conservador do Serviço Social,
que expressa uma visão mecanicista da profissão e da perspectiva que lhe atribuía um caráter revolucionário, fruto
de
um militantismo que superestimava a capacidade profissional (Barroco, 2003, p.109).
É o grande debate entre a
postura fatalista e a
messiânica, que tanto incomodou os profissionais de Serviço Social. A primeira
descon- siderava as contradições do sistema, das instituições e das próprias relações sociais, não sendo possível
fazer nada para ser modificado,
e a segunda
subestimava o contexto social, as classes sociais,
as orga- nizações políticas, os movimentos sociais, os homens como sujeitos históricos, enfim, os limites da realidade social e do profissional (Iamamoto, 2001, p.21-2).
No exercício profissional cotidiano, o Serviço Social mantém o desafio de conhecer e interpretar algumas lógicas do capitalismo contemporâneo, especialmente em relação
às mudanças no mundo do trabalho
e sobre as questões de desestruturação dos sistemas de proteção social e
das políticas sociais em
geral. E como afirma Iama- moto (2000,
p.113), ao profissional assistente social apresenta-se um dos maiores desafios nos dias atuais:
desenvolver
sua capacidade de decifrar
a realidade e construir pro- postas de trabalho
criativas e capazes de preservar e efetivar direitos, a partir de demandas emergentes no cotidiano. O perfil predomi- nante do assistente social historicamente é o de um profissional que implementa políticas
sociais e atua na
relação direta com a popula- ção usuária.
Hoje exige-se um trabalhador qualificado na esfera da execução, mas também na formulação e gestão
de políticas sociais, públicas e empresariais: um profissional propositivo, com a sólida formação ética, capaz de contribuir ao esclarecimento dos direitos sociais e dos meios de exercê-los, dotado de uma ampla bagagem de informação, permanentemente atualizada, para se situar em um mundo globalizado.
Mediante essa af irmação da autora, no desenho do perf il do profissional
de Serviço Social, como coparticipante do processo
de transformação, deverá contribuir, por meio de uma práxis educativa
e transformadora, para a construção de sujeitos históricos respeitados e valorizados como seres
humanos livres capazes de pensar, agir, decidir, optar e, nessa perspectiva dialética, transformar a realidade e
por ela ser transformado.
Dessa forma, o exercício da profissão envolve a ação de um sujeito profissional que tem competência para propor, para negociar com a instituição seus projetos, defender seu campo de trabalho, suas qualificações e funções
profissionais que extrapolem ações rotineiras e decifrem realidades subjacentes, revertendo-as em ações concretas de benefícios à população excluída. Suas ações
vão desde a relação
direta com a população até o nível
do planejamento, tendo inclusive
a árdua tarefa de priorizar
os que têm e os que não têm direitos
de acesso aos serviços
e equipamentos sociais.
Diante do legado histórico da profissão, pode-se
ressaltar o prota- gonismo crescente dos assistentes sociais na prestação de serviços so- ciais, no
campo do planejamento, da gestão e execução das políticas,
dos programas, dos projetos
e serviços socioassistenciais, no avanço da área acadêmica, na avaliação
do processo de formação profissio- nal, na área da pesquisa, na área de produção de conhecimento e na própria
organização política da categoria. O Serviço Social aparece atualmente como uma profissão consolidada na sociedade brasileira, ganhando visibilidade no cenário atual e sustentado por um proje- to ético-político que o habilita a formular respostas profissionais
qualificadas face à questão social. Esse projeto
comprometido com valores
e princípios que apontam para a autonomia, a emancipação, a defesa da liberdade
e da equidade, a socialização da política e da riqueza
socialmente produzida e o pleno desenvolvimento de seus usuários, vem se concretizando nas ações cotidianas de trabalho dos Assistentes Sociais, seja qual for o espaço de atuação,
permitindo-lhes compreender o Serviço Social na
divisão sociotécnica do trabalho e no encaminhamento de ações que contribuam para a ultrapassagem
do discurso da “denúncia” para o âmbito das práticas institucionais e da contribuição à formulação de
novas políticas sociais.
A efetivação do projeto
ético-político do Serviço Social exige que
os profissionais, cada vez mais, recriem
seu perfil profissional e sua
identidade, ultrapassem limites
institucionais e superem
a ideologia do assistencialismo e avancem nas lutas
pelos direitos e pela cidada-
nia. É o que será discutido no próximo item.
O Serviço Social e a consolidação do projeto ético-político frente às desigualdades sociais do século XXI
A partir dos anos 80, as mudanças ocorridas
na profissão foram pautadas na necessidade de conhecer e acompanhar as transforma- ções econômicas, políticas e sociais do mundo contemporâneo e da própria
conjuntura do Estado e do Brasil. As duas últimas décadas do século XX foram determinantes nos novos rumos acadêmicos,
políticos e profissionais para o Serviço
Social. No País, as intensas e crescentes manifestações de expressões da questão social,
decor- rentes das inúmeras crises econômicas e políticas, exigiram
da pro- fissão sua
adequação a essas demandas sociais.
Esse período marca profundamente no País o desenvolvimento da profissão por meio de um dos
seus momentos importantes que é a recusa
e a crítica do conservadorismo profissional.
Foi implantado, na década de 1990, o Projeto Ético-Político do Serviço Social, fruto de uma organização coletiva e de uma busca de maturidade que possibilita à profissão a formular respostas qualifi- cadas frente
à questão social. Trata-se de um projeto
que, para Neto (2000,
p.104), é um “[...] processo em contínuos desdobramentos,
flexível, contudo sem descaracterizar seus eixos fundamentais”. Ele é comprometido com valores e princípios que têm em seu núcleo o
reconhecimento da liberdade como
possibilidade de escolher
con- cretamente
alternativas de vida, buscando o compromisso com a autonomia, a emancipação, a defesa da equidade, a socialização da política
e da riqueza socialmente produzida e o pleno desenvolvi- mento de seus usuários.
Para Santana (2000,
p.80):
Os assistentes sociais, preocupados com a modernização do País e da
profissão, assumem posições
predominantemente favoráveis à reprodução das relações sociais. Porém, a partir da década de 1980, os setores críticos
(em geral, respaldados na teoria marxista) assumem a vanguarda da profissão. É no bojo desse
processo de renovação do Serviço Social que o pluralismo se institui e inicia a construção do que hoje chamamos de projeto ético-politico da profissão.
A construção coletiva
desse projeto profissional aglutinou
assis- tentes sociais de
todos os segmentos e materializou-se no Código de Ética Profissional do Assistente Social, aprovado em 13/3/1993, na Lei de Regulamentação da Profissão de Serviço Social (Lei 8.662 de
7/6/1993) e na proposta das Diretrizes
Curriculares para a Formação
Profissional em Serviço Social (8/11/1996).
Confirma Guerra (2007, p.37) que:
A década de 1990 confere maturidade teórica ao Projeto Ético Político Prof issional do Serviço Social brasileiro que, no legado marxiano e
na tradição marxista,
apresenta sua referência teórica hegemônica. Enfeixa
um conjunto de leis e de regulamentações que dão sustentabilidade institucional, legal, ao projeto
de profissão nos marcos
do processo de ruptura com o conservadorismo: a) o Novo Código de Ética Profissional de 1993; b) a nova Lei
de Regulamen-
tação da Profissão em 1993; c) as Diretrizes Curriculares dos cursos de Serviço
Social em 1996;
d) as legislações sociais que referenciam o exercício profissional e vinculam-se à garantia de direitos
como: o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA de 1990, a Lei Orgâ- nica da Assistência Social –
Loas de 1993, a Lei Orgânica da Saúde
em 1990.
Esse projeto de profissão é expressão de um momento histórico
e fruto de um amplo movimento de lutas pela democratização da sociedade
brasileira, com forte presença das lutas operárias que impulsionaram a crise da ditadura, “coroando esforços coletivos e a politização progressista da vanguarda da categoria” (Netto, 1996,
p.108). A categoria dos assistentes sociais foi sendo questionada pela
prática política de diferentes segmentos
da sociedade civil,
no contexto do crescimento dos movimentos sociais e das lutas em torno da elaboração
e aprovação da Carta Constitucional de 1988 e pela defesa do Estado de Direito, não ficando como mera expectadora dos acontecimentos. Mas avançou com maturidade sendo protagonista na construção
desses momentos históricos
e em sua participação efetiva em gerir políticas
sociais e viabilizar a construção dos direitos sociais das classes subalternizadas da sociedade, conquistando o que Netto (idem,
ibidem) denominou, “maturação profissional”.
É possível atestar que a profissão nas últimas décadas deu um salto qualitativo em sua formação acadêmica
e em sua presença política
na sociedade. Intensificou-se a produção científica e
o mer- cado editorial; os assistentes sociais constituíram-se uma categoria
pesquisadora, reconhecida nacional
e internacionalmente (tema do próximo
item). E ainda amadureceram em suas representações po- líticas e corporativas, por meio de órgãos acadêmicos e profissionais
reconhecidos e legitimados. Travou-se um amplo debate em torno das políticas sociais públicas, especialmente da seguridade social,
contribuindo para a reafirmação da identidade profissional.
A profissão, como afirma Yazbek
(2000, p.29), enfrenta o desafio
de
decifrar algumas lógicas do capitalismo contemporâneo, especial-
mente em relação
às mudanças no mundo do trabalho, os processos
desestruturadores dos sistemas
de proteção social e da política
social em geral e o aumento da pobreza e a
exclusão social.
O Serviço Social vê-se confrontado e desafiado a
compreender e intervir nessa socieda- de de transformações configuradas nas novas expressões da questão social: a precarização do trabalho, a penalização dos trabalhadores, o desemprego, a violência
em suas várias faces, a discriminação de gênero e etnia e tantas outras questões relativas
à exclusão.
Como observa
Barroco (2003, p.180),
se na entrada dos anos 90 é evidente o amadurecimento de um “vetor de ruptura”,
isso não significa
que essa vertente tenha alcançado
uma “nova legitimidade” junto às classes
subalternas. Além disso,
a ruptura
com o conservadorismo profissional, consolidada em 80, não significa que
o conservadorismo (e com ele o
reacionarismo) foi superado no interior
da categoria.
Nesse cenário, no início da década de 1990, é que a questão ética apresentava-se como tema relevante para a prof issão. Surgiram as mobilizações reivindicatórias da ética na política e como tema privilegiado de cursos, encontros, publicações, invadem os meios de comunicação de massa
atingindo a vida cotidiana da população. E para a profissão, apareceram desafios e questionamentos teórico-
práticos e ético-políticos para o enfrentamento das consequências do ideário neoliberal
que acirravam as desigualdades sociais.
A profissão
passou a explicitar
com maior clareza
seu
projeto ético-político que foi
gestado em duas décadas anteriores. Essa construção caracterizou-se pela busca do rompimento com a vertente conservadora do Serviço Social e pela proposição de um novo projeto profissional que se aproxima
dos projetos societários.
Segundo
Netto (2000, p.94),
“os projetos societários são projetos coletivos;
mas seu traço peculiar reside no fato de se constituírem projetos macroscópicos, em propostas para o conjunto
da
sociedade”.
Com isso, o projeto
ético-político do Serviço Social caracteriza-se pelos determinantes sócio-históricos, pela dimensão política pautada no compromisso com a classe trabalhadora e pelos interesses, aspira- ções e demandas
do projeto coletivo
dos assistentes sociais.
Então,
a categoria com a aprovação do Código de Ética em 1993,
conseguiu articular compromissos éticos, políticos e o exercício
da prática profissional, reconhecendo as
mediações necessárias entre projeto societário e projeto profissional.
Para os projetos profissionais, Netto (2000, p.95) apresenta como construção
coletiva de uma categoria,
(ou sujeito coletivo) que retrata sua imagem profissional:
Os projetos prof issionais
apresentam a autoimagem
de uma profissão,
elegem os valores que a legitimam socialmente, delimi- tam e priorizam os seus objetivos
e funções, formulam os requisitos
(teóricos, institucionais e práticos)
para seu exercício, prescrevem normas para o
comportamento dos profissionais
e estabelecem as balizas
da sua relação com os usuários
de seus serviços,
com as ou- tras profissões e com as organizações e
instituições sociais, privadas e
públicas (entre estas, também e destacadamente com o Estado, ao
qual coube, historicamente, o reconhecimento jurídico dos estatutos profissionais).
Nesse
sentido, a formulação de um projeto
profissional crítico à sociedade capitalista é “uma demanda dos segmentos da sociedade
que recebem os serviços prestados pelo assistente social,
e não ape- nas uma condição de grupos ou do coletivo
profissional” (Guerra,
2007,
p.9).
Este projeto profissional reafirma o compromisso da categoria com um projeto societário que propõe a construção de uma nova ordem so- cietária, sem dominação, exploração de classe, etnia e gênero.
Ele tem como aspecto
central a liberdade, ou seja, a
possibilidade de o ser hu- mano fazer concretamente suas escolhas, e com isso comprometer-se com
a autonomia, a emancipação e a plena expansão dos indivíduos. A partir desses princípios, o projeto ratifica a intransigente defesa dos direitos
humanos e contra qualquer forma de preconceito, o arbítrio, o autoritarismo, culminando no exercício do pluralismo na sociedade em geral e no exercício profissional (Netto,
2000, p.104-5).
Como analisa o autor (idem, p.105),
a dimensão política do pro- jeto é evidenciada pela equidade e pela justiça social, por meio da busca universal
do acesso aos bens e aos serviços
nos programas e nas políticas sociais. Com isso, tem-se a consolidação da cidadania por meio da viabilização de todo esse processo democrático, garantido a todas as classes trabalhadoras.
A efetivação desses valores preconizados pelo projeto-ético po- lítico do Serviço Social ocorrerá por meio do protagonismo da classe
trabalhadora na inserção e na participação nos espaços públicos, com poderes de decisão no que lhe diz respeito, na ampliação do conhecimento de direitos e interesses em jogo,
da viabilização de meios para a implementação de decisões coletivas, do acesso às regras
de negociação com transparência, e com isso o
trabalhador social, possa contribuir para a inclusão
social
da classe trabalhadora na real
construção da cidadania e no fortalecimento da democracia. Assim, Iamamoto (2000, p.126) explica:
Uma aproximação, por meio da pesquisa criteriosa, às condições
de vida e de trabalho
das classes subalternas é um requisito indispen- sável para a efetivação daqueles
valores e princípios mencionados. Esta aproximação deve permitir captar interesses e necessidades em suas diversas
maneiras de explicitação, englobando formas diferen-
ciadas de organização e luta para fazer frente
à pobreza e à exclusão econômica, social e cultural. Formas de lutas que passam por partidos políticos,
sindicatos e movimentos
sociais organizados; mas que passam, também, por reivindicações em torno
de melhorias parciais de vida, além do conjunto de expressões associativas e
culturais que conformam
o modo de viver e de pensar das classes e seus segmentos sociais. O desafio é
captar os núcleos
de contestação e resistência, as formas de imaginação e intervenção do cotidiano, de defesa da vida e da dignidade
do trabalhador.
Esse compromisso ético-político assumido pela categoria nas últi- mas décadas, tem revelado o desafio da competência profissional, que deve embasar-se no aprimoramento intelectual do assistente social, com ênfase
em uma “formação acadêmica
qualificada, alicerçada
em concepções teórico-metodológicas críticas
e sólidas, capazes
de viabilizar uma análise concreta da realidade
social” e possibilitar um processo
de formação permanente e “estimular uma constante
postura investigativa” (Netto, 2000, p.105).
No que diz respeito aos usuários dos serviços, faz-se
necessário que este projeto profissional priorize
uma nova relação de compro- misso com a qualidade dos serviços
prestados à população,
bem como a publicização, democratização e universalização dos recursos institucionais a ela direcionados.
Contudo, a consolidação desse projeto depende da organização da categoria dos assistentes sociais
e de sua articulação com outras
categorias que partilhe dos mesmos compromissos e princípios funda- mentais. Depende ainda da mobilização que se trave com a sociedade
civil na luta pela garantia
dos direitos civis, sociais e políticos
de todos os cidadãos.
Requer, segundo Iamamoto (2001, p.141) “remar na contracorrente, andar no contravento, alinhando forças que impulsio- nem mudanças na rota dos ventos e das marés na vida em sociedade”. Trata-se de um projeto que está se
consolidando hegemônico no interior da categoria,
isto porque, ele tem raízes efetivas na vida social
brasileira, vinculando-se a um projeto
societário antagônico ao das classes possuidoras e exploradoras, como explica Netto (2000, p.106):
Neste sentido,
a construção deste projeto profissional acompa- nha a curva ascendente do movimento democrático e popular que, progressista e positivamente, tensionou
a sociedade brasileira entre a derrota da ditadura e a promulgação da Constituição de 1988 (referida como Constituição Cidadã),
um movimento democrático
e popular que, colocando-se inclusive como alternativa nacional de governo nas eleições presidenciais de 1989, forçou uma rápida redefinição
do projeto societário das classes possuidoras.
Na contramão da busca pela efetivação do projeto ético-político
do Serviço Social, existem duras ameaças de mudanças
estruturais propostas
pelo capital e obviamente opostas aos princípios do projeto profissional. O
neoliberalismo instituiu uma política de desmantela- mento
do
Estado, privatização das instituições públicas,
precarização de direitos
e garantias sociais
e a sobreposição do econômico em relação ao social ou às expressões da questão social e consequente aviltamento da pessoa humana.
É importante considerar que o aprofundamento e a manutenção
do projeto ético-político do Serviço Social na contemporaneidade, em tempos de tantas adversidades, depende
da vontade majoritária
da categoria profissional e junto a ela, o revigoramento das lutas e movimentos democráticos e populares, garantindo os
direitos a programas e a
políticas sociais estabelecidas pelas conquistas das classes trabalhadoras. Junto a isso, afirma
Santana (2000, p.90) que
a relevância do processo formativo, torna-se um determinante para a consecução do projeto ético-político da profissão. Explica
que:
À medida
que
o profissional assume o compromisso com a trans- formação
dessa ordem societária e institui como estratégia de ação, no atual momento histórico, a luta por direitos sociais, comprometendo- se com a qualidade dos serviços prestados e com o fortalecimento do usuário, seu perfil tem que ser necessariamente crítico
e questiona- dor. É preciso,
também, que este esteja munido de um referencial teórico-metodológico que lhe permita
apreender a realidade numa perspectiva de totalidade, e construir mediações entre o exercício pro- fissional comprometido e os limites dados pela realidade de atuação.
O Serviço Social ao longo de sua história, conforme abordado anteriormente, convive
com o sistema capitalista, no qual nasceu enquanto profissão, buscou criar estratégias de minimização das ma- nifestações da miséria e empobrecimento da classe trabalhadora, por meio de ações distributivas de serviços assistencialistas e clientelistas, sem
questionar as estruturas que geram as desigualdades sociais.
Para
a categoria profissional a releitura do trabalho do assistente social exigiu a ruptura com posicionamentos ideológicos e ações
restritas, endógenas
e focalistas do Serviço
Social, transpondo as determinações da classe dominante. Com isso, faz-se
necessário um profissional propositivo, reflexivo, crítico,
“que aposte no protagonis- mo dos sujeitos sociais, versado no instrumental técnico-operativo”, com competência para ações profissionais em nível de assessorias, de negociações, de
planejamentos, de pesquisa
e de incentivo à partici-
pação dos usuários em gestão e da avaliação de programas
sociais de qualidade (Iamamoto,
2001, p.144).
Continua a mesma autora que, para responder a esse perfil pro- fissional
traçado:
Exige uma competência
crítica que supere tanto o teoricismo estéril, o pragmatismo, quanto
o mero militantismo. Competência que não se confunde com aquela estabelecida pela burocracia da
organização, conforme a linguagem institucionalmente permitida e autorizada; que não reifica o saber fazer, subordinando-o, antes, à direção social desse mesmo fazer. Competência
que contribui para desvelar
os traços conservantistas ou tecnocráticos do discurso oficial, recusa o papel de tutela e controle das classes subalternas em seus diferentes segmentos e grupos, para envolvê-las
nas teias e amarras
do poder econômico,
político e cultural.
(idem, ibidem)
Nesse sentido, surge um desafio histórico aos assistentes sociais, frente ao sistema vigente,
em atingir a “consciência humano-gené- rica” importante
ao exercício crítico da profissão, pois implica em “criar condições para vencer a alienação em um mundo marcado
pela reificação social” (Santana, 2000, p.90).
O cenário atual com a idolatria da moeda, o fetiche do mercado e do consumo, o “culto” ao individualismo, a lógica do mercado finan- ceiro, reforça o desafio dos assistentes sociais em manter seu caminho pautado pelos valores e princípios éticos
e políticos que iluminaram suas ações durante as últimas décadas.
Percebe-se que o profissional
de
hoje precisa se requalificar, ter visão crítica
da realidade, por meio de uma atitude reflexiva, analítica, investigativa e propositiva frente à realidade.
Exige-se um profissional
ousado, atento e disposto a apropriar-se e a decifrar
novas propostas de trabalho
apresentadas ao Serviço Social.
Afirma Guerra
(2007, p.27) nesse contexto que
os valores
e princípios do atual projeto profissional remetem
a um novo modo de operar a profissão
o que pressupõe
a crítica sobre as condições
e relações do seu exercício
profissional [...] é claro ao profissional que não basta se indignar
contra a moral burguesa, não basta o
senso moral. É necessário
que se desenvolva a consciência
moral, que se aproprie da ética como reflexão crítica sobre a moral para se estabelecer quais as escolhas e ações tácitas
e estratégicas que nos permitam
organizar ações e sujeitos históricos
para intervir no processo de democratização da sociedade, visando
a uma sociedade justa e equitativa, o que passa pela defesa
da vida humana.
Neste sentido, é possível
entender que o profissional social, de posse desse projeto
crítico, percebe que as possibilidades de trans- formação não estão na profissão, mas na própria realidade, na qual, certamente, por meio de uma intervenção profissional competente, poderão se estabelecer devidas mediações entre interesses da classe trabalhadora e da classe dominante. Competência essa que é dinâmi- ca, não estática
e adquirida de uma vez por todas, construída social e
historicamente e que ultrapasse saberes
e conhecimentos, mesmo se constituindo por eles. É fundamental que haja uma intervenção reflexiva e eficaz no sentido
de articular dinâmicas
de conhecimentos,
saberes, habilidades, valores e posturas.
O projeto profissional hegemônico, por sua perspectiva crítica,
torna-se um instrumento capaz de permitir aos assistentes sociais
uma antevisão da demanda,
a captação de processos emergentes e históricos que se configuram e requisitam uma intervenção profis- sional
a curto, médio e longo prazos,
o significado social e político da profissão e da intervenção que desenvolve. Tais projetos têm raízes na vida social e respondem aos anseios de setores e forças da sociedade
por meio de valores, princípios, estratégias que se reportam
a uma sociedade justa, democrática, equânime (Guerra, 2007, p.30).
Assim, o projeto profissional tem de oferecer respostas concretas
para uma democracia social, política e econômica, indicando os meios
de concretizá-las.
Enfim,
é possível admitir
que o projeto ético-político
do Serviço Social se consolidará a partir do momento em que este clarifique os objetivos da profissão, que com seu referencial teórico-metodológico permita que o profissional faça a crítica
ontológica do cotidiano, da ordem burguesa
e dos fundamentos conservadores que persistem na profissão, que lance luzes sobre as novas escolhas e orientações
para direcionamentos sociais e, assim, o assistente social estará apto a ocupar os
diversos espaços institucionais, privados, públicos e profissionais; a
questionar critérios de escolha e elegibilidade para o
direcionamento de serviços
sociais, a democratizar o acesso à infor- mação; a pesquisar e conhecer os sujeitos que demandam as ações
profissionais e realizam alianças com eles; a estabelecer compromisso
com as denúncias e efetivar
o trabalho de organização popular.
A formação profissional: do ensino à
pesquisa
A década
de 1980 foi extremamente importante nas definições de rumos teórico-metodológicos, técnico-acadêmicos e políticos para o Serviço Social. Tem-se hoje um projeto
profissional ético-político,
construído coletivamente em décadas anteriores, que selou o com- promisso da categoria com a universalização dos valores igualitários e democráticos, conforme
já apresentado. Os princípios norteadores desse projeto desdobraram-se no Código de Ética do Assistente Social, de 1993, na Lei de Regulamentação da Profissão de Serviço
Social – Lei 8662/93 e na nova Proposta de Diretrizes Gerais para o curso de Serviço Social.
O novo Código de Ética Profissional de 1993 é um marco histórico na trajetória do Serviço Social por
sua legitimidade teórico-prática
alcançada pela categoria
profissional.
A partir desse momento de discussão
e de construção
coletiva, destacam-se na profissão a relevância e o
reconhecimento da ética como componente
fundamental do projeto profissional
que,
nos últimos vinte anos, tem construído uma hegemonia na profissão.
Um olhar retrospectivo para as
décadas anteriores não deixa dúvidas de que o Serviço Social foi sendo questionado pela prática
política de vários movimentos sociais e segmentos
da sociedade civil,
encontrando aí sua base social de reorientação da profissão nos anos
80. Com isso, a profissão deu um salto de qualidade, de atuação e de formação profissional. Com
o novo Código de Ética, ganhou
visibili- dade pública e maior credibilidade junto à população usuária.
Houve também um avanço no mercado
editorial e de produção acadêmica impulsionada pela pós-graduação e pela interlocução teórica com áreas conexas de maior tradição na pesquisa
social.
Os assistentes sociais ingressaram, na década de 1990, como uma categoria
pesquisadora e reconhecida pelos órgãos de fomento à
pesquisa.
Tiveram
ainda um amadurecimento em suas formas de represen- tatividade político-corporativas, por meio de órgãos de representação acadêmica e profissional reconhecidos e legitimados. E amplas dis-
cussões e debates
em torno das políticas sociais
públicas, especial- mente a assistência social,
como direito social,
na teia das relações entre o Estado e a sociedade civil, contribuíram para intensificar e propagar a reflexão
e o debate sobre a identidade
profissional, na busca do fortalecimento de seu autorreconhecimento e para traçar criticamente os rumos da profissão.
A reforma
curricular aprovada em 1979 pela assembleia da Asso- ciação Brasileira de Escolas de Serviço Social, implementada a partir de
1982, desmontou a estrutura tradicional dos chamados processos de intervenção em caso, em grupo e em comunidade pela orientação teórico-metodológica da prática profissional
pautada nas princi- pais tendências que, até então, embasavam teoricamente o Serviço
Social: o funcionalismo, a fenomenologia e o marxismo. Defendeu a profissão na busca de uma visão crítica e
comprometida com a
transformação social e a formação
dos futuros assistentes sociais a partir de análises críticas
da realidade capitalista.
A nova reforma
do projeto de formação profissional, ocorrida em
1998, foi motivada
pela participação e pela mobilização vivenciada na revisão curricular de 1982, fruto do debate coletivo. Sobretudo no meio universitário, buscou a formação de um profissional generalista, em ruptura
com as
especializações e contribuiu para o avanço do entendimento das debilidades e de suas consequentes inadequações
metodológicas do pensar
e do fazer profissional, “a prática é formu- lada como um processo de trabalho, como uma atividade
com fins, meios e resultados em torno da questão social, definida formalmente como
objeto do Serviço Social”
(Faleiros, 2005, p.32).
A partir de então, na década de 1990, a
formação profissional passa a ser primordial, e o projeto
curricular foi elaborado e aprovado pelos órgãos competentes da categoria, especialmente pela Associa- ção Brasileira de Ensino em Serviço Social
(ABESS), com um novo currículo, hoje em vigor.
Segundo a ABESS 7 (1997, p.63):
Este currículo
traduz, em uma perspectiva histórico-crítica, os
seguintes núcleos de
fundamentação na constituição da formação
profissional: 1. núcleo de fundamentos
teórico-metodológicos da
vida social;
2. núcleo de fundamentos da formação sócio-histórica
da sociedade brasileira; 3. núcleo de fundamentos do trabalho pro- fissional.
Diante dessas mudanças
ocorridas no campo da formação profis- sional, duas características decorrentes desse processo tornaram-se
pontos de reflexão e do desenvolvimento da profissão: a preocupação com a investigação como dimensão
constitutiva da formação e do exercício profissional e a afirmação das políticas sociais como campo de interesse
teórico-prático para os assistentes sociais.
Contudo, o processo de implementação do currículo mínimo do Serviço Social, ao longo dos anos, não ocorreu
de forma tranquila, mas foi objeto de críticas, de dúvidas e de debates por parte de diferentes segmentos intelectuais e profissionais ligados
ao Serviço Social e
pelos próprios assistentes sociais, pois muitos deles sentiam-se
despreparados e distantes de uma proposta inovadora.
Entretanto, não será discutida aqui essa questão, mas o
registro dessas informações evidencia os limites
da profissão e os permanentes questionamentos da identidade profissional.
Assim afirma Koike (2000,
p.107):
As alterações
na configuração sociotécnica da profissão eviden- ciam ser a formação profissional um processo dinâmico, continuado, inconcluso, em permanente exigência de apropriação e desenvolvi-
mento dos referenciais críticos de análise e
dos modos de atuação na realidade social.
E o ato de avaliar a profissão (formação
e trabalho profissionais) em
suas conexões com as necessidades sociais de onde derivam as demandas ao Serviço Social, expõe com radicalidade as exigências
de uma profunda, cuidadosa e continuada capacitação
profissional. Essa radicalidade marcou o processo de construção das novas diretrizes
curriculares que se inicia com a definição dos critérios norteadores do trabalho coletivo.
Para Iamamoto (2001, p.52), diante dos avanços qualitativos que
o Serviço Social viveu nas últimas décadas, no que diz
respeito
à formação profissional e ao trabalho
de Serviço Social, travaram-se
fortes embates e discussões
no que diz respeito à relação dialética
entre teoria e exercício profissional (prática) ou seja, a busca de es- tratégias
do profissional que vão mediar
as bases teóricas
acumuladas com a
operatividade do trabalho profissional. O caminho é longo, mas foi dado um longo “voo teórico”,
aproximando o Serviço Social ao movimento da realidade concreta, às várias expressões da questão social. O
desafio na atualidade, segundo
a autora, “é transitar da ba- gagem teórica acumulada ao enraizamento da profissão na realidade, atribuindo,
ao mesmo tempo, uma maior atenção às estratégias, táticas e técnicas do trabalho prof issional”, em decorrência das particularidades dos temas que são objetos de estudo e de ação do profissional.
Nesse contexto, situa-se o mundo da pesquisa científica que a categoria profissional enveredou
nas décadas passadas,
e fortalece- se, nos dias atuais, a aproximação do profissional e o científico, do profissional e do político e do profissional com as condições e relações
de trabalho (Faleiros,
2005, p.28). Herdeira da ditadura
militar e de seu projeto de modernização conservadora, a categoria dos assistentes sociais emerge na cena social no processo de “transição democrática” com um novo perfil acadêmico-profissional, que representa um salto de qualidade na trajetória do desenvolvimento profissional (Iama- moto, 1998, p.103).
O Serviço Social insere-se,
nos anos da ditadura, nos quadros universitários, passando a formação profissional a ser paulatinamente articulada à pesquisa e à extensão.
A profissão implementa
nos anos 70 e 80 (século XX) a pós- graduação em Serviço Social com os cursos lato sensu e strictu sensu, rapidamente ampliados, tendo nesse período a consolidação acadêmi- ca do ensino pós-graduado nos cursos de especialização, no nível de mestrado
(nos anos de 1970, a existência de seis cursos de mestrado) e com desdobramentos no nível de doutoramento, atualmente todos ampliados e com intercâmbio nacional e internacional.
Hoje,
no Brasil, é possível reconhecer a credibilidade científica
que o
Serviço Social veio conquistando junto aos órgãos oficiais de
fomento à pesquisa e o apoio,
o incentivo e o trabalho
de seus órgãos competentes, especialmente a ABEPSS (2004, p.78) que
Reafirma seu empenho em contribuir
no sentido de que a for- mação da graduação e pós-graduação em Serviço Social substancie
e respalde cada vez mais a plataforma emancipatória da profissão, na resistência às mais diversas
formas de exclusão,
opressão e violên- cias que no tempo presente se adensam e atualizam como demanda privilegiada ao ensino de qualidade e à pesquisa
no Serviço Social.
Diante dessa realidade
apresentada, surge como desafio à forma- ção profissional o ideário neoliberal, que busca como ação predomi- nante o enfraquecimento das lutas das classes sociais e sua subordina- ção ao capital. Tal ideologia é fortalecida especialmente pela “queda do socialismo real e com o florescimento da pós-modernidade, sobre- tudo em sua versão neoconservadora, influenciando muitos docentes, pesquisadores e pensadores do meio acadêmico levando muitos a
desistirem e reverem seus trabalhos” (Koike, 2000, p.114).
Outro
aspecto a ser considerado é a concepção de educação para o século
XXI, por organismos internacionais como o Fundo Mone- tário Internacional – FMI e
o Banco Mundial, para responderem aos interesses econômicos da globalização; é ainda depositada
a tarefa de oferecer
soluções aos problemas
do desemprego, das lutas étnicas, da violência, do meio
ambiente e da própria exclusão,
que se apresentam na atualidade.
Enfim, para a educação, fica a tarefa conciliadora e pacificadora de conflitos, ou
seja, a existência de uma política
educacional mundial que não questione a distribuição de riquezas e do
poder, mas ofereça reformas e soluções a partir da própria ordem interna do capital. O que para Koike (idem, p.115),
não existe outro
enfrentamento, a não ser desvendar
a
concepção ilusória de que poderia “humanizar” o capital em sua pró- pria ordem e fazê-lo por meio de uma educação danificada funcional, pragmática e despolitizada e compreender o caráter e o significado
das transformações sociais em curso, colocando as classes sociais no
centro dessa apreensão como condição de atribuir inteligibilidade ao processo social contemporâneo.
Por fim, tem-se
uma reforma da educação superior
direcionada para a lógica mercantil, na busca dos negócios lucrativos, calcada na
adaptação dos perfis profissionais ao novo paradigma
da sociedade moderna,
no conhecimento tecnológico,
por
meio da expansão da educação a distância e consequente precarização, especialmente, do ensino
público superior público.
À categoria profissional do Serviço Social, fica o desafio
de pre- parar profissionais aptos para lidar com as contradições do presente apresentadas pela ordem neoliberal e pelo neoconservadorismo no conhecimento, e o compromisso com a qualidade
na formação que, consequentemente, perpassa
todo o trabalho profissional evitando
que o Serviço Social fique burocrático, tecnicista, mercantil e “sem vida”.
Tal desafio para os assistentes sociais é, portanto, a busca de
um posicionamento ético e político que se insurja contra os processos
de alienação vinculados à lógica capitalista, impulsionando-os a trabalhar na busca de romper com a dependência, a subordinação, a despolitização, e assim poder manter vivas as forças
sociais motiva- doras da esperança de uma nova sociedade e da capacidade de luta no cenário social e
profissional.
Efetivamente, o Serviço Social pode interferir na construção
de direitos sociais e sujeitos políticos contribuindo com movimen- tos sociais e lutas da categoria
como garantia legal da profissão na Política Educacional das três esferas nacionais: União, Estados e Municípios. É o
que será
trabalhado nos próximos capítulos
por meio dos dados documentais (pesquisa documental) e empíricos da pesquisa de campo.
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